O mercado de tokenização, também conhecido como tokens de ativos do mundo real (RWA – Real World Assets), tem ganhado força expressiva nos últimos anos à medida que mais setores econômicos passam a explorar os benefícios da tokenização.
De acordo com a Boston Consulting Group (BCG), tal mercado poderá atingir US$ 16 trilhões até 2030, representando uma oportunidade massiva de inovação financeira. Essa crescente adoção reflete o potencial de liquidez, acessibilidade e democratização dos investimentos que a tokenização oferece, especialmente em mercados historicamente ilíquidos, como o de venture capital (VC).
Com o advento dos tokens, temos uma nova e poderosa forma de financiar empresas. O fenômeno das ofertas iniciais de moedas (ICOs) representou, em seu auge, uma ruptura significativa no modelo tradicional de captação de recursos, atraindo bilhões de dólares para startups de blockchain entre 2017 e 2018.
Esse movimento superou até mesmo os investimentos tradicionais de capital de risco no setor. Contudo, mais do que uma moda passageira, a tokenização evoluiu e abriu caminho para modelos mais maduros, como as ofertas iniciais de exchanges (IEOs) e os tokens de valores mobiliários (STOs), apontando para um futuro onde venture capital será amplamente transformado.
O modelo tradicional de venture capital e seus desafios
Ao longo das últimas décadas, o capital de risco foi um dos principais motores de inovação tecnológica, financiando grandes empresas, como Apple, Microsoft, Google e Facebook. Porém, apesar de seu impacto, o modelo tradicional de VC enfrenta desafios intrínsecos que limitam sua eficiência, principalmente em relação à falta de liquidez e às saídas prolongadas.
Os investidores de capital de risco frequentemente encaram longos períodos de espera — de cinco a sete anos ou mais — para obter retornos de suas apostas. Em um fundo de VC, o capital é colocado em startups em estágios iniciais, esperando que algumas dessas empresas atinjam avaliações altas por meio de aquisições ou ofertas públicas iniciais (IPOs).
No entanto, nove em cada dez startups falham, e o sucesso de uma única empresa precisa compensar todas as perdas. Assim, o capital de risco tradicional, apesar de ser um negócio lucrativo para poucos, é altamente arriscado e possui baixa liquidez.
Outro problema enfrentado pelos fundos de VC é o conceito de “blind pool”, onde os investidores se comprometem com um fundo sem clareza sobre quais startups receberão o capital. Como destacado no livro The Business of Venture Capital, de Mahendra Ramsinghani, essa relação pode durar mais de uma década, com os investidores limitados a saídas inflexíveis e sem visibilidade sobre os retornos durante o período.
Mais autonomia e liquidez ao investidor
A tokenização de venture capital tem o potencial de transformar o cenário ao introduzir maior liquidez, inclusão e controle para os investidores. Ao tokenizar fundos de VC, é possível oferecer aos investidores tokens que representam suas participações em fundos, permitindo que negociem os ativos em mercados secundários.
Isso oferece uma saída mais rápida e menos restritiva do que os métodos tradicionais, onde os investidores muitas vezes ficam presos por anos até que ocorra um evento de liquidez, como uma fusão ou IPO.
Com a tokenização, o investidor pode optar por vender parte ou a totalidade de seus tokens a qualquer momento, conforme sua estratégia e necessidades financeiras, em vez de esperar pelo desempenho das startups ao longo de anos.
O modelo cria um mercado secundário de liquidez muito mais eficiente, permitindo que os investidores reinvistam ou realoquem seus recursos de forma mais dinâmica. Além disso, plataformas tokenizadas oferecem transações automáticas via contratos inteligentes, garantindo uma distribuição rápida e precisa de retornos entre os investidores.
Inclusão e democratização dos investimentos em capital de risco
Outro benefício notável da tokenização é a democratização do acesso ao capital de risco. Historicamente, os fundos de VC têm sido exclusivos para investidores qualificados e instituições com capital significativo para suportar a baixa liquidez e os altos riscos envolvidos.
No entanto, ao fracionar as participações em tokens, é possível criar unidades de investimento acessíveis a um público muito mais amplo. Isso permite que pequenos investidores participem de oportunidades antes reservadas apenas a grandes fundos.
Essa inclusão, dentro dos limites regulatórios, tem o potencial de atrair bilhões de dólares adicionais para o mercado de venture capital. Com mais investidores participando, o setor de VC se tornaria não apenas mais robusto como mais diverso, aumentando a oferta de capital disponível para startups emergentes.
Além disso, a tokenização permite que os fundos ajustem suas teses de investimento com maior flexibilidade. Ao contrário dos fundos de VC tradicionais, que são engessados em ciclos de captação de recursos e retornos de longo prazo, os fundos tokenizados podem se adaptar mais rapidamente às condições do mercado, aproveitando oportunidades de curto e médio prazos. Essa flexibilidade permite um aumento na taxa interna de retorno (TIR) dos investidores, criando ciclos mais rápidos e previsíveis.
Segurança e governança com STOs
Os tokens de valores mobiliários (STOs) também desempenham um papel importante na evolução do venture capital. Ao contrário dos tokens de utilidade, que foram amplamente utilizados nas ICOs, os STOs são regulamentados como ativos financeiros e oferecem direitos e proteções adicionais aos investidores.
Com os STOs, os fundos de VC podem emitir tokens que representam ações ou dívidas de empresas investidas, proporcionando uma camada adicional de governança e segurança jurídica para os investidores.
Embora os STOs estejam em fase inicial de adoção, é esperado que, no futuro, desempenhem um papel crucial na tokenização de mercados privados, incluindo private equity e venture capital. Quando a transição se consolidar, todo o ecossistema de financiamento de startups poderá ser tokenizado, com processos mais transparentes, seguros e acessíveis.
À medida que a infraestrutura de tokenização avança, o futuro do VC parece estar se movendo em direção a um modelo mais dinâmico, flexível e acessível. A tokenização elimina muitos dos problemas tradicionais enfrentados por investidores e gestores de fundos, como a falta de liquidez e o longo tempo de espera para saídas.
Além disso, oferece mais controle e autonomia para os investidores, que podem gerenciar suas participações de forma mais ativa.
Desse modo, com a capacidade de acessar novos públicos e criar oportunidades de investimentos mais inclusivas, a tokenização de venture capital tem o potencial de revolucionar o setor, transformando não apenas a forma como os fundos são geridos, mas também o impacto que eles têm na inovação tecnológica e no crescimento econômico global.
Fonte: Exame